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A problemática do assento preferencial

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Se leva quase 3 horas para se chegar em um lugar, já conto como viagem. Então, viajo muito, todos os dias, da casa para o trabalho e do trabalho pra casa. Eu sou meio que fã de ônibus porque, né, imagina se eu odiasse. Dá pra se fazer de um tudo dentro deles (coisas permitidas pela lei, veja bem). Eu leio, estudo, ouço música, escrevo, faço minhas contas, troco mensagens, preparo os pacotes que tenho que enviar pelo correio... E olha que eu nem tenho internet móvel. Sobra tempo também pra se fazer todo uma crítica social e descompromissada que ninguém está afim de ler, mas, opa, eu tenho um blog.


 Tenho pra mim que a pessoa que teve a ideia de por assentos preferenciais/prioritários nos transportes públicos estava genuinamente bem intencionada. Assim, até comove. Surge o senhorzinho com as pernas bambas, a dor na coluna e/ou no corpo todo, entra a moça grávida carregando mil bolsas, sobe no busão o camarada de muletas, e as pessoas imediatamente se levantam com um sorriso no rosto e cedem seu lugar. Quem ganhou o lugar sente a felicidade instantânea que só quem já ganhou lugar numa lata de sardinha consegue sentir, e a pessoa de bem que levantou fica com os benefícios do altruísmo na alma. Todos felizes. Todos ganham. A humanidade é linda.

Mas ninguém gosta de dar o lugar.

Sejamos francos, quem quer saber dos benefícios do altruísmo? Amigo, eu quero é roncar bastante no assento. Eu quero é terminar As Crônicas de Gelo e Fogo antes de chegar em casa. 

Mas eu dou meu lugar. Sabe, é um lugar que precisa ser dado. Pouco importa se a gente gosta ou não, dane-se o altruísmo, faça por fazer mesmo, já vai servir. Ninguém vai morrer por ficar em pé, tem gente que trabalha assim, só que sempre será mais difícil para as pessoas contempladas pelo assento prioritário. Custar custa, mas...

A lógica do assento prioritário é que ele garante que uma meia dúzia de pessoas que precisam (menos que isso) vai conseguir lugar. Porque, se depender das outras pessoas, elas ficam em pé. Ainda tem gente que senta nos assentos marcados e fazem a egípcia, mas beleza. Só que, como as pessoas são muito caridosas e sensatas, ao invés do assento garantir lugar, ele restringe lugar. Se o IPEA fizesse uma pesquisa, daria que 90% dos passageiros concordam que idoso só deve sentar no "lugar dele".

"QUE ABSURDO! Eles não ficam na fila, entram na nossa frente e ainda pegam nosso lugar!"

"Cheio de banco amarelo pra sentar e eles sentam nos nossos. Depois acham ruim a gente sentar no deles e fingir que está dormindo" 

"MAS QUE P*RRA. A gente voltando do trabalho e esses velhos passeando"

"Por que essa mulher não pegou no ponto final?"

Apenas mandaria todo mundo para os Jogos Vorazes. Um dia desses, ainda comprarei briga, anotem aí.

Galera, não existe "lugar deles" e "nosso lugar". Na real, TODOS os assentos deveriam ser prioritários. O certo é todo mundo ter que levantar mesmo. O assento prioritário chega a ser patético, porque é um instrumento da lei pra forçar uma coisa que deveria ser natural. E, gente, idoso senta onde quiser. Grávida senta onde quiser. E, se eles querem passear, ninguém tem nada a ver com isso. Isso aqui é Brasil, galera, com 80 anos nego ainda está querendo trabalhar porque aposentadoria não é grande coisa. Existe aquela frase de que o trabalho dignifica o homem, e isso até pode ser verdade, mas a volta para casa certamente caga com toda a dignidade que o trabalho deu.

Eu sei, eu sei, lugar em transporte público vale quase mais que barras de ouro, mas aguenta só mais um pouquinho. Daqui a pouco (com sorte), você estará velho e certamente cobrará seu assento, então vamos manter a coerência desde já.

Fim do desabafo. Uma pena eu não ficar grávido, mas me aguardem quando eu estiver na terceira idade.

PS: O título desse texto foi totalmente sequestrado do So Contagious, mas juro que sou só uma pessoa de bem que ficou sem criatividade num momento crucial.

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