Pra ninguém vir aqui falar que estou sendo injusto, eu sei as contribuições de Fahrenheit 451 pra literatura, ok? EU SEI. Sim, Ray Bradbury enxergou uns 50 anos a frente de seu tempo e foi um marco pra ficção científica, não nego. Tá bom? Então tá bom.
Mas alguém tem que falar mal de Fahrenheit 451 e aparentemente esse alguém sou eu.
Acho que qualquer pessoa acostumada a ler nota de primeira que o livro é mal escrito. Nossa, descrições simplistas ou ausência total de descrição, personagens rasos, cenas truncadas e atropeladas, diálogos pobres... Assim, a IDEIA é boa, mas a execução escorregou na bacia. Li que era um conto que o autor esticou porque a editora pediu e isso faz todo sentido, e meio que tudo foi feito às pressas em uma semana só. Talvez fosse mesmo um conto excelente, mas como livro ficou fraco.
Não posso confirmar, mas agora acho que existe uma conspiração na internet pra todo mundo fingir que este livro é perfeito. NÃO VENHAM ATRÁS DE MIM, ILLUMINATI, NÃO FAREI PARTE DISSO. Porque é só procurar por resenhas, ver a nota no Skoob e em sites afins pra perceber que há algo de errado. Pensa bem, até você que nem leu o livro acha que ele é incrível e tem uma mensagem do bem. Quando um dos clubes do livro que organizei escolheu Fahrenheit 451 como livro da vez, ficamos todos "Um livro necessário, né, principalmente nesses tempos sombrios, precisamos dessa mensagem positiva, amamos livros, tem tudo a ver com a gente". Beleza. Daí que eu nem tinha acabado de ler e já tinha descoberto a verdade: Fahrenheit 451 é uma história conservadora disfarçada de progressista.
Eu explico: No cenário da sociedade do livro, bombeiros queimam livros. Todos. Livros são proibidos porque fazem as pessoas refletirem e refletir causa tristeza perante as mazelas da vida. O importante é ser feliz! Então as pessoas ficam mega alienadas do mundo, apenas se divertindo com entretenimento vazio e infinito. Mas nada de livros.
Até aí tudo bem. Mas sabe como começou esse expurgo de livros? Lá para o meio da história, um personagem explica que começou com as minorias reclamando do conteúdo de livros. Negros se ofenderam com o conteúdo de um livro racista? Queima o livro. Mulheres reclamaram de um livro misógino? Fogo nele. Gays estão criticando um livro homofóbico? Queima também! Aí não sobrou nenhum. O "politicamente correto" meio que matou a liberdade de expressão, então ninguém quis mais escrever nada e as pessoas perderam de vez o interesse na leitura, porque ficou chata.
OLHA, FRANCAMENTE.
Meio desnecessário dizer que todos os personagens importantes são homens brancos. E que as mulheres quase não existem e quando existem têm um desenvolvimento pífio. O livro é do autor e ele escreve o que ele quiser, mas o fato é que Ray Bradbury realmente acredita nisso: Que minorias exigindo serem tratadas com respeito é mimimi, que isso mata a liberdade criativa, que o mundo tá chato... Certeza que você já ouviu esse exato discurso na boca de alguém. No final do livro, pelo menos nessa edição de capa vermelha que foi a que eu li, vem uma longa carta do autor reafirmando isso, onde ele literalmente diz que "(...) Este é um mundo louco e ficará mais louco se permitirmos que as minorias interfiram na estética". Assim, gente...
Ficará mais louco, sim, SE VOCÊ FOR UM BOÇAL. Eu entendo que é desconfortável receber crítica, eu mesmo já recebi em uma das minhas histórias, mas acho que diversificar seus personagens e saber representar bem uma minoria é crescer como pessoa e como autor. Os livros só têm a ganhar. "Ah, mas eu não vejo diferença em cor de pele, gênero, somos todos iguais". Então vai ser mais fácil ainda pra você diversificar seus personagens, com o plus de estar agradando leitores que se importam. Dar chilique com quem critica representatividade ruim é deixar de aprender, é não querer evoluir.
***
Acho que o autor ficou se revirando no túmulo com esse filme de 2018 com o Michael B Jordan no papel do protagonista. Eu, na verdade, nem sei POR QUE o ator decidiu atuar e produzir esse filme se não for pra perturbar Ray Bradbury no além. O filme infelizmente é bem qualquer coisa também, embora tenham socado minorias em várias oportunidades. Temos mulheres, latinos, negros, o cast é bem diversificado. Mas a história acaba seguindo a mesma linha do livro. Tem muitas diferenças, mas esse que pra mim é um dos pontos essenciais fica ainda pior no filme. No livro, Ray Bradbury tenta jogar essa cartada do "Somos todos iguais". O personagem fala que tinha livros que irritavam negros, tinha livros que irritavam os brancos, alguns os homens, outros as mulheres, queimavam-se todos. No filme os exemplos são mais gráficos. Tem uma cena que o protagonista pega nas mãos um livro do nazismo e tá tudo bem, é só mais um livro que "irritou os negros". Esse é o problema dessa mensagem pra mim. É colocar no mesmo patamar de "livros que irritam" uma história racista/nazista e outra que "irrita brancos" por ser contra o racismo.
NÃO É A MESMA COISA.
Fica em aberto a discussão sobre liberdade de expressão e censura. É aquela coisa, né, existe algum pensamento/história/lição que pode/deve ser censurado? Um livro que faz apologia a pedofilia, por exemplo, deveria estar circulando por aí? Eu acho que não. Por isso que eu aboliria livros nazistas SIM. Eu sei que a linha é muito tênue entre esse controle e uma censura prejudicial, é subjetivo e varia com o pensamento da sociedade... Mas na época do livro/filme, racismo já é crime. Não é aceitável.
***
Então, assim, não sei bem qual é a utilidade de Fahrenheit 451 pra você, leitor de 2019, não chega nem a ser uma leitura prazerosa. É chato, pobre e com mensagens esquisitas. Juro que tem livros melhores sobre amor aos livros e defesa do pensamento crítico. Mas também não vou jogar na fogueira. Quer ler, leia, mas abaixe suas expectativas, porque todo mundo comenta como se fosse atualmente um FENÔMENO.
De nada.
O capitalismo me obriga a deixa um link aqui para a loja da Amazon, então tá aqui o link para comprar o Fahrenheit 451. Pelo menos tá sempre baratinho. Mas leia por sua conta em risco.